Há no Brasil o sarcástico mito de que o brasileiro adora uma fila - é só avistar uma que já toma seu lugar e inicia-se a procissão. É bem verdade que essas "organizações coletivas" não são raridades no país tupiniquim, da fila na padaria à de espera para receber um transplante de órgão, estamos todos caminhando, lentamente ou não, em direção a um desejo e/ou uma obrigação. Entretanto, a questão está na prioridade e urgência de nossas necessidades. Quem aguarda por uma doação de órgãos, por exemplo, dorme a corda em uma fila, muitas vezes, sem um final feliz.
Leigamente, uma pessoa pode se perguntar como faltam órgãos para transplantes, no Brasil, com tantas mortes diariamente. Primeiramente, é preciso saber que os potenciais doadores (como são chamados no meio médico) são aqueles vítimas de mortes encefálicas - ou seja, cerebral. Além desse "requisito", é preciso que a família do cidadão autorize o procedimento. Eis os fatos limitadores do ato. Afinal, hoje, o percentual de doadores, em nosso país, é de 15 por milhão (a meta do Ministério da Saúde, para este ano, era atingir 20 por milhão). E o principal motivo para o fracasso é a grande recusa dos familiares, cerca de 43% não autorizam a doação.
Sendo assim, para que esse quadro melhore - e, assim, muitas vidas sejam salvas (um único doador pode atender a até 20 pessoas), é importantíssimo que se conheçam quais as causas da recusa. Pesquisas divulgadas e discutidas pela Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) apontam três situações: o medo da mutilação do corpo, a dúvida sobre a naturalidade do óbito e o questionamento sobre o destino dos órgãos. Ironicamente, três mitos. Temos uma legislação que regulamenta desde a comprovação do óbito - com exames bem detalhados, até a chegada ao receptor, sendo clara, inclusive, quanto à consulta à família - em busca da autorização. A mutilação, por exemplo, não ocorre, pois, os procedimentos de retiradas são simples e sem marcas visuais externas (além do corpo ser vestido e, não raro, coberto por flores no velório). Já quanto à identidade dos receptores, faz-se necessário o sigilo por questões de segurança e para evitar fraudes.
Destarte, mediante à urgência da questão e de entraves tão simples, visto que se trata de falta de instrução, é emergencial que o Governo, com o apoio da sociedade, atue em prol da solução dessa problemática. É obrigação que se intensifiquem as campanhas midiáticas para esclarecimento e conscientização da população. É preciso, pois, derrubar os mitos que impedem o ato de solidariedade ao próximo. Deve-se, também, investir em preparação adequada a equipes responsáveis pela abordagem à família, para que sejam capazes de sanar dúvidas e orientar sobre o procedimento. Afinal, em um país cristão, fazer jus ao ensinamento bíblico de amar ao próximo como a si mesmo é uma obrigação.
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