A Brasília amarela, sucateada, estacionou. Um
cidadão, ainda segurando o volante gasto, esticou o pescoço para fora da
janela.
– Em que direção fica Bonito?
A pergunta por si só já seria motivo de piada, em
qualquer lugar do Brasil; menos em Sombrio, a pacata cidade catarinense. E como
desgraça pouca é bobagem, lá estavam Karlos e Milton, interrompendo a prosa
cotidiana, na calçada do tradicional boteco “Par lamento”. Aqui vale uma pausa
para apresentar os sócios proprietários do ambiente mais conhecido do pedaço;
mas longe de ser o mais admirado ou frequentado – na verdade, a clientela era basicamente
composta por amigos e agregados. O nome da espelunca havia surgido naturalmente,
com a voz do povo. É que todos os dias ali estavam os dois, atentos ao
noticiário, lamentando o que quer que fosse apresentado; nunca os dois, claro,
a única concordância de ambos era em tocar o negócio, obter lucros, do mais...
Dito isso, Karlos se levantou.
– Pela esquerda e em frente, companheiro!
– Só se você quiser chegar à Venezuela! – retrucou Milton,
levantando-se e abotoando seu paletó (Sim! Ele trabalhava, como gostava de
classificar, a caráter tradicional!).
– Isso! Vá pela direita, pague pedágios, enriqueça
as privatizações. Francamente, Milton, sua capacidade de se vender é fascista!
– E você quer que ele vá pelo atalho que tem mais
roubos contabilizados que a quilometragem até o destino? Eu é que me espanto
com sua incapacidade...
– Meu nome é Jair Inácio Gomes. Vou tomar um café! –
Com egresso do motorista do veículo, a conversa foi interrompida.
– O senhor é político? Nome composto tá em livro ou
em lápide! – Karlos não perdia uma oportunidade de ironizar.
– Jair veio de meu pai, militar da reserva; Inácio,
de meu avô materno, operário aposentado por invalidez; Gomes de minha mãe.
– E o sobrenome de seu pai? Cadê, rapaz? – Com desaprovação,
indagou Milton.
Minha mãe vivia como lhe convinha. Criou-se à custa
de meu avô; mas ganhou liberdade sob o rumo de meu pai. E nessas idas e vindas,
batizou-me com o nome de papai; mas, submeteu-se à vontade de vovô.
– Aqui seu café! – Karlos já não olhava o
forasteiro nos olhos, com igualdade.
– Quanto devo?
– É por conta... Se for pela esquerda, fica pela cortesia;
se for pela direita, economiza para o “quinto”.
– Como assim, Karlos? E com o prejuízo eu arco?
– Diga o preço! – Já com a chave da Brasília
rodando pelo dedo médio.
Não deu tempo de cobrá-lo. Não foi nem possível
escolher uma direção. Ao olhar para o caminho, “Cadê a Brasília? Roubaram!”
Foi assim que esse cidadão brasileiro fez morada em
Sombrio. Constituiu família. Criou os filhos. Sempre os lembrando de que seu
destino era Bonito, mas que não seguiria viagem sem seu veículo – que nem
podia! Ao menos a espelunca ganhou novos frequentadores – assíduos!
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