Espírito
Santo
Nestas terras capixabas
existem de quase tudo um pouco, barrocas terras, não? Pena que a arquitetura
tome partido nulo nisso tudo. Ah!, mas as igrejas até que são bem barroquinhas,
ou, como dizem por aqui, vivem embarrocadas. Será que os vocábulos são
parentes? Ou barrocos? Num sei, não, seu moço. Sei é que pessoa direita deve é
de escutar a igreja, não perguntar. É!, boa mecenas és tu, ó mãe divina.
Pois então, o ouro é das Minas,
a cana dos paulistas, a capital em Salvador, O Rio ainda não é lindo, mas é
cultural – e pra que resolveu mudar de adjetivo, né? Os holandeses só pra lá de
Pernambuco se interessaram, os gaúchos têm uma crista... Mas, idaí? E a gente?
Capixaba é assim mesmo, seu moço! Todo mundo vem, todo mundo é. O jeito é
continuar a cantar a vida nas falas. Sabe que não tem pra onde correr. Vão bora pro mar? Lusofobia!
Mas, quer melhor terra pra
viver que essa? Faz o que quiser, pro lado que tiver. Vai pra Europa, vai pro
Rio; dorme na Bahia, acorda nas Minas; esconde em São Paulo; avizinha-se aos
Gaúchos. E o Norte? Lá é terra de romântico, bem indianista. E aqui, é terra de
quê? Do povo brasileiro. Barroco, mas não rococó, porque capixaba não nasce pra
exagero; capixaba nasce pra ser do meio.
Ô terrinha mais ou menos,
hein, seu moço? É terra boa, meu amigo! Terra que lhe dá escolha. É terra
barroca. Sabe, agora já vou indo, seu moço. Vou voltar pro meu Sertão. É que lá
não tem fronteira, mas tem uma visão... Pode deixar que não fico sozinho, Paraíba.
Há sempre alguém chegando nessas terras que Deus quis assim e o homem chamou
Espírito Santo. Sozinho nunca, esquecido até quando?
Rodrigo Davel, setembro de
2012
Pintura barroca de Rubens: o diálogo entre a igreja católica e os fiéis
Barroco Brasileiro
Histórico
O estilo barroco chega ao Brasil pelas
mãos dos colonizadores, sobretudo portugueses, leigos e religiosos. Seu
desenvolvimento pleno se dá no século XVIII, 100 anos após o surgimento
do Barroco na
Europa, estendendo-se até as duas primeiras décadas do século XIX. Como estilo,
constitui um amálgama de diversas tendências barrocas, tanto portuguesas quanto
francesas, italianas e espanholas. Tal mistura é acentuada nas oficinas laicas,
multiplicadas no decorrer do século, em que mestres portugueses se unem aos
filhos de europeus nascidos no Brasil e seus descendentes caboclos e mulatos
para realizar algumas das mais belas obras do Barroco brasileiro. Pode-se dizer
que o amálgama de elementos populares e eruditos produzido nas confrarias
artesanais ajuda a rejuvenescer entre nós diversos estilos, ressuscitando, por
exemplo, formas do gótico tardio
alemão na obra de Aleijadinho
(1730-1814). O movimento atinge o auge artístico a partir de 1760,
principalmente com a variação rococó do
barroco mineiro.
Durante o século XVII a Igreja teve um
importante papel como mecenas na arte colonial. As diversas ordens religiosas
(beneditinos, carmelitas, franciscanos e jesuítas) que se instalam no Brasil
desde meados do século XVI desenvolvem uma arquitetura religiosa sóbria e
muitas vezes monumental, com fachadas e plantas retilíneas de grande
simplicidade ornamental, bem ao gosto maneirista europeu.
É somente quando as associações leigas (confrarias, irmandades e ordens
terceiras) tomam a dianteira no patrocínio da produção artística no século
XVIII, momento em que as ordens religiosas veem seu poder enfraquecido, que o Barroco se frutifica em escolas regionais, sobretudo no Nordeste e Sudeste do
país. Contudo a primeira manifestação de traços barrocos, se bem que misturado
ao estilo gótico e românico, pode ser encontrada na arte missionária dos Sete
Povos das Missões na região da Bacia do Prata. Ali se desenvolveu, durante um
século e meio, um processo de síntese artística pelas mãos dos índios guaranis
com base em modelos europeus ensinados pelos padres missionários. As
construções desses povos foram quase totalmente destruídas. As ruínas mais importantes
são as da missão de São Miguel, no Estado do Rio Grande do Sul.
As primeiras manifestações do espírito
barroco no resto do país estão presentes em fachadas e frontões, mas
principalmente na decoração de algumas igrejas, também em meados do século XVII.
A talha barroca dourada em ouro, de estilo português, espalha-se pela Igreja e
Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, construída entre 1633 e 1691. Os
motivos folheares, a multidão de anjinhos e pássaros, a figura dinâmica da
Virgem no retábulo-mor, projetam um ambiente barroco no interior de uma
arquitetura clássica. A vegetação barroca é introduzida na Bahia no fim do séc.
XVII na decoração, por exemplo, da antiga Igreja dos Jesuítas, atual Igreja
Catedral Basílica, cuja construção da capela-mor, com seus cachos de uva,
pássaros, flores tropicais e anjos-meninos, data de 1665-1670. No Recife
destaca-se a chamada Capela Dourada ou Capela dos Noviços da Ordem Terceira de
São Francisco de Assis, idealizada no apogeu econômico de Pernambuco, em 1696, e
finalizada em 1724.
Entre os anos de 1700 e 1730 uma
vegetação de pedra esculpida tende a se espalhar nas fachadas, como imitação
dos retábulos, seguindo a lógica da ornamentação barroca. Em 1703 o dinamismo
conquista o exterior pela primeira vez de forma ostensiva na fachada em estilo
plateresco da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, em
Salvador. No entanto, vale notar que tal exuberância representa uma exceção no Barroco brasileiro, pois mesmo em seu período áureo as igrejas barrocas nacionais,
tal como as portuguesas, são marcadas por um contraste entre a relativa
simplicidade de seus exteriores e as ricas decorações interiores, simbolizando
dessa forma a virtude do recolhimento, requisito necessário à alma cristã.
Esses primeiros 30 anos marcam a difusão no Brasil do estilo "nacional
português", sem grandes variações nas diversas regiões .
Surge então um novo ciclo de
desenvolvimento do Barroco entre meados de 1730 e 1760, com predominância
do estilo português "joanino", cuja origem remonta ao Barroco romano.
Há uma significativa barroquização da arquitetura com a construção de naves
poligonais e plantas em elipses entrelaçadas. Destaca-se no período, com
ressonâncias posteriores, a atuação dos artistas portugueses Manuel de Brito e Francisco
Xavier de Brito.
Nota-se que, em meados do século
XVIII, a perda da força econômica e política inicia um período de certa
estagnação no Nordeste, com exceção de Pernambuco, que conhece o estilo rococó
na segunda metade do século. O foco volta-se para o Rio de Janeiro,
transformada em capital da colônia em 1763, e a região de Minas Gerais,
desenvolvida à custa da descoberta de minas de ouro (1695) e diamante
(1730). Não por acaso, dois dos maiores artistas barrocos brasileiros
trabalham exatamente nesse período: Mestre
Valentim (1745-1813), no Rio de Janeiro, e o Aleijadinho, em Ouro
Preto e adjacências.
É na suavidade do estilo rococó
mineiro (a partir de 1760) que se encontra a expressão mais original do Barroco
brasileiro. A extrema religiosidade popular, sob o patrocínio exclusivo das
associações laicas, se expressa em um espírito contido e elegante, gerando
templos harmônicos e dinâmicos de arquitetura em planos circulares, com
graciosa decoração em pedra-sabão. As construções monumentais são
definitivamente substituídas por templos intimistas de dimensões singelas e
decoração requintada, mais apropriados à espiritualidade e às condições
materiais do povo da região.
Um dos exemplos mais bem-acabados
desse estilo pode ser contemplado na Igreja da
Ordem Terceira de São Francisco de Assis da Penitência (1767),
cujo risco, frontispício, retábulos laterais e do altar-mor, púlpitos e lavabo
são de autoria de Aleijadinho. A pintura ilusionista do teto da nave (1802) é
de um dos mais talentosos pintores barrocos, Manoel da
Costa Athaide (1762-1830). Destaca-se ainda a parceria dos dois
artistas nas esculturas de madeira policromada (1796-1799) representando os
Passos da Paixão de Cristo para o Santuário do Bom Jesus dos Matozinhos, em
Congonhas do Campo. No adro desse santuário, Aleijadinho deixa o testemunho
mais eloquente de seu talento artístico: seus 12 Profetas
de pedra-sabão (1800-1805).
No Rio de Janeiro a
presença lusitana se faz sentir mais fortemente. Distingue-se das outras
cidades pela tendência à sobriedade neoclássica,
reforçada pelas influências no Brasil da reforma pombalina. Na arte civil (por
exemplo: Passeio
Público, de 1779-1785 e Chafariz da Pirâmide, de 1789) e sacra de
Mestre Valentim o perfeito equilíbrio entre os postulados racionais do Classicismo,
a dinâmica e grandiloquência do Barroco e um certo sentido de preciosismo e
delicadeza da estética rococó, sintetiza brilhantemente o espírito da arte
carioca da segunda metade do século XVIII.