Falar
de educação no Brasil deixou de ser “chover no molhado”; agora, é soprar no
seco. Isso porque não se trata mais de repetir as mesmas estratégias ou de se
obter os mesmo resultados. A verdade atual é insistir em acreditar. É sobre
crer que Rubem Braga é ninguém e que fala sobre nada. Não existem o padeiro, o
taxista, o pavão, a borboleta, o tuim e o Zig. Ninguém fez nada.
Um
das campeãs de aparições nas escolas brasileiras, em aulas de português, a
fadigada foto crônica foi imposta à turma de 9º ano – e sua heterogeneidade etária,
dos 14 aos 18 anos. Na lousa, as orientações, o passo a passo. Muitas dúvidas,
perguntas repetitivas, olhares desinteressados e a fatídica retórica: “Pra que
isso, professora?”
–
Para contextualizar! Tomar posse das vivências de Braga!
Silêncio.
Expressões de “nada entendi” e “ainda não sei pra quê?”. Leituras em grupos,
individuais, pausadas para efetuar buscas nos dicionários, checar redes sociais.
– O
que é um tuim, professora?
– Um
pequeno pássaro!
–
Zig é uma pessoa?
–
Não! É o cão de Rubem Braga.
– O
padeiro fazia os pães e entregava também? – Essa exigiu mais tempo da
professora!
Ao
final da aula, os alunos ainda não estavam convencidos da necessidade da
atividade. A professora também já não mais cria em ninguém. Até que uma luz ao
fim do túnel surgiu:
– Fessora, posso fazer um rap da crônica
do cara? – ela se levantou sorrindo, descaradamente, queria mesmo mostrar a satisfação,
que estava contente! E não conteve a ansiedade! Seria sua realização – que nem
era verdadeiramente esperada.
– Se
liga, fessora!
“Um
passeio no zoo parece inofensivo,
Mas
a treta na cabeça é um trampo intensivo!
Papo
reto, sem neurose, olha a vacilação:
O
amor tem as asas coloridas do pavão!
Não
tem luxo, não tem dor,
Vagabundo
também ama, dá licença, seu doutor!”
A
turma aplaudiu e vibrou com o colega! A professora descruzou os braços e
acompanhou.
–
Muito legal, Enzo! Mas as cores do pavão estão nas penas da calda. É só trocar!
–
Qual é, fessora! Rap não tem correção!
É improviso! Se não cola, a mente apaga.
–
Você precisa anotar suas composições! Pode gravá-las, algum dia!
–
Esse bagulho de escrever estraga a rima, ela passa do ponto, fessora!
O
sinal indicou que a aula acabara. Enzo e quase todos os seus colegas cataram
seus materiais e bateram em retirada, rapidamente.
Enquanto
a professora organizava os livros e cadernos e muitas folhas em sua bolsa, uma
última aluna se aproxima e pede para tirar uma “selfie” com ela.
–
Ah! Já sei! Você escolheu a “Aula de inglês”!?
– O
quê, prof? – a menina não conhecia a
crônica de Braga que tinha o protagonismo de uma professora.
– “Is
this na elephant?” – a professor sorriu – A pergunta que a professora de inglês
fez, na crônica. Não leu esta? A foto não é para sua foto crônica?
–
Não, prof! É pra postar no Instagram.
–
Ah! Sim... Tudo bem! Deixa eu arrumar meu cabelo...
Após
alguns cliques, correções de postura, alguns filtros testados, até encontrar a
melhor imagem, pronto!
–
Que legenda você colocou? – perguntou despretensiosamente a professora.
– “Tenho vivido uma parte de minha vida no meio de
livros, conheço livros, lido com livros, sou capaz de distinguir um livro a
primeira vista no meio de quaisquer outros objetos, sejam eles garrafas,
tijolos ou cerejas maduras – sejam quais forem.” – disse a garota, já
quase à porta da sala.
– Você
leu! Sorrindo, respondeu para a menina.
–
Não, prof. Peguei na internet. –
respondeu a garota olhando inocentemente para sua professora – curte lá depois,
prof. – e saiu.
O
oásis era uma miragem. Ao menos foi isso que a docente acreditou.
–
Ninguém fez nada. Será que sabem quem é Rubem Braga? Duvido!
Ela saiu,
com o celular em mãos, já acessando seu “Insta”
– iria curtir a foto e tecer um comentário carinhoso; tão aprazível quanto
Zig livrando-se de uma ninhada de gatinhos.