sexta-feira, 18 de novembro de 2011

No condomínio Éden

Quando a cobra viu aquilo, ela não teve quaisquer dúvidas. Correu imediatamente ao elefante e contou tudo: eram bichos que nunca antes haviam sido conhecidos por mais ninguém. Ela tinha certeza. O elefante, sem acreditar muito na cobra, uma senhora já, quis conferir de perto; antes ela o alertou que fizesse silêncio. Afinal, eram animais desconhecidos, uma multidão deles. E não se sabia do que eram capazes e como reagiriam. E, dito isso, foi o elefante conferir. Nossa! Foi o que se pode ouvir sair da longa tromba do elefante, enrolada atrás da orelha. Voltaram às pressas para o centro da floresta: era necessário reunir a todos e comunicar a descoberta.
Já todos reunidos, então, o elefante pediu silêncio e começou o discurso. A cobra, assustadíssima, a todo o momento interrompia o discurso para detalhar os novos animais moradores da floresta. Adjetivos e superlativos choveram aos montes: grandes, rápidos, irritadíssimos, muito unidos, bastante brigões etc. E as perguntas surgiam a todo momento. Havia aqueles que queriam ver; outros sugeriram que invadissem o meio deles e os dominassem. O elefante, na falta do leão – que não tomava partido para não desagradar a ninguém – sugeriu que os estudassem e após, conhecerem melhor o inimigo, chegassem a uma conclusão, para que fosse decidida a ação a ser tomada: o leão bateu o martelo e assim foi encerrada a reunião.
Durante dias, então, revezaram os estudiosos a observarem os novos animais: corujas, gaviões, abutres e corvos formaram um grupo; lagartos, jacarés, cobras e lagartixas o segundo grupo; girafas, zebras, antas, veados e búfalos o terceiros grupo; macacos preferiram ir sozinhos e se organizaram como o quarto grupo; por fim, onças, jaguatiricas, gatos do mato, lobos e hienas fechavam os estudos. Ao fim de longos dias, reuniram-se novamente para expor os resultados e chegarem a um acordo. O leão, assessorado pelo elefante – já que a cobra havia decido, solitariamente, fugir para outra floresta, antes que o mal chegasse – pediu que fossem entregues os resultados: O primeiro grupo avaliou os animais como de pequeno perigo; mas, com frágeis níveis de segurança e desperdício de alimentos: inclusive seus restos poderiam servir como alimentos para outros animais e traria, desta forma, o benefício de evitar a caça desnecessária. O grupo dos répteis avaliou como perigo eminente: os novos animais poluíam o meio e eram potenciais predadores. No entanto, não avaliavam bem seus ataques e poderiam se autodestruírem em pouco tempo. Antes mesmo que terminassem, os répteis foram interrompidos pelos veados, pelas girafas e todo o restante de seu grupo com o argumento que estes seriam demasiadamente prejudicados com a convivência com estes novos animais. Pois, a partir de seus estudos sobre os mesmos, detectaram fortes indícios de animais propensos a usurparem, até indevidamente, do trabalho dos demais e podendo gerar a escravidão, senão uma prisão. O leão, como líder sensato, dirigiu a palavras aos macacos antes de qualquer conclusão. Os macacos foram os grandes advogados dos novos colegas: para este grupo, os novos animais poderiam ajudar muito no crescimento e fortalecimento da floresta; tinham muito o que ensinar e até agiam com extinto de sobrevivência muito próximo ao de todos os animais. Por último, mas não menos importante, a onça foi a porta voz de seu grupo: com um discurso direto e objetivo, alertou a todos para o caráter impulsivo e imprevisível dos novos moradores; mas ressaltou a grande possibilidade de boa convivência, até mesmo grande amizade entre todos. E o leão, após todos apresentarem suas conclusões, pediu que voltassem à outra reunião em dois novos luares.
Chegado o dia da grande conclusão, o leão solicitou ordem e passou a palavra ao elefante:
_Amigos, como todos sabem, temos novos moradores na floresta e precisamos conhecê-los, com o intuito de nos defendermos e convivermos em harmonia. Acerca deste propósito, temos todos os estudos realizados e uma conclusão: Não iremos interferir na vida deles; até que eles interfiram na nossa. O burburinho foi imediato. Alguns comemoraram e já faziam planos para civilizá-los; outros queriam interagir com os novos; porém, muitos ficaram preocupados; outros descontentes. Antes, porém, de qualquer reação impulsiva, o leão determinou:
_Temos que os nomear. É preciso conhecer e transmitir tudo o que possamos saber sobre estes seres. Foi então que a minhoca gritou por debaixo do pé do elefante:
_São homens. Eu sei que são. Assim eles se denominam. Por estes dias atrás cavaram bem em minha casa, para construir a deles, e pude ver e ouvi-los. A parcimônia de atitude e decisão do leão, porém, começou irritar a todos. Então, antes que iniciassem uma rebelião, ou coisa do tipo, ele, o leão líder, decretou.
_Que deixemos livres e em paz os homens. Seres que não nos afligem e que nenhum mal nos trás.
_(A preguiça falou pela primeira vez e calou-se novamente) Espero que eles pensem o mesmo.
_Será que eles já sabem de nos? Indagou o camaleão.
Rodrigo de Assis Davel, Cachoeiro de Itapemirim, 18 de novembro de 2011
O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa;
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.
Manuel Bandeira. Rio, 27 de dezembro de 1947